Natalia Schopf Frizzo
Aquilo que é bom, e de verdade, e forte, e importante – coisa ou pessoa – na sua
vida, isso não se perde.
Mesmo que a condição de saúde perca inicialmente para a nova condição de doença, podemos salvar a mente, enquanto o corpo recobre, por meio do tratamento, seu equilíbrio.
Contudo, mesmo diante das drogas mais potentes para combate ao câncer, alguns pontos de apoio podem favorecer melhores resultados, ou contribuírem para um pior enfrentamento da enfermidade.
E tais pontos não necessariamente surgem a partir do diagnóstico, mas sim se constituem parte de tudo que somos, e aí sim, a partir da notícia da doença, temos uma nova chance de modificá-los.
Por exemplo, você já ponderou o fato de que as pessoas com as quais convive terem poder de afetar seus caminhos e escolhas? Familiares, amigos, mentores, são todos de fato inestimáveis e necessários. Laços afetivos são a base da nossa construção de ser no mundo, e oferecem-nos ao nascer, a oportunidade de experimentar um universo inteiro de possibilidades. Um Estudo sobre o Desenvolvimento Adulto, feito em Harvard comprova, inclusive, que ao fim de tudo, o que é importante para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, é a qualidade dos relacionamentos que cultivamos.
Desse modo então, nos cabe pensar que assim como boas relações contribuem para melhoria de nossa saúde e impactam na nossa qualidade de vida, relacionamentos conturbados e adoecidos podem gerar impactos negativos, mesmo que eles nos pareçam inconscientes. Refletirmos sobre o ambiente que nos circunda, principalmente sobre as pessoas inseridas nele, tem, então, um forte impacto sobre quem você irá se tornar. Nossa vida social tem forte relação com os resultados que alcançamos.
Mas o que vem a ser uma relação de qualidade? É aquela em que você se sente seguro, em que você pode ser você mesmo. Por isso toda a rede de apoio que é mantida, é revelada, é descoberta a partir da notícia do câncer, importa. Costumo dizer que esta rede constitui um dos 3 pilares do tratamento (remédio certo na hora certa, rede de apoio e espiritualidade). E esta rede compõe-se daqueles que amamos. Sejam família, amigos, animais de estimação, e profissionais de saúde. Ter liberdade de expressão e confiança permite trafegar firme e não sentir-se só.
Você tem o poder de controlar quem você se torna. Mas é preciso aprender a conhecer a si e aos outros. Em um momento de crise – como é a doença – há muitas formas das pessoas reagirem. Algumas se aproximam por curiosidade ou empatia. Outras mais íntimas achegam-se porque se sentem aptas a ajudar, confortar, amparar.
Mas há aquelas que se afastam. Algumas porque realmente não se sentem íntimas o suficiente, outras simplesmente porque não sabem como auxiliar. Talvez para essas últimas, a impressão seja de sentirem-se inaptas para lidar com algo tão delicado e, no receio de atrapalhar, distanciam-se. E nesta hora a sabedoria exige de nós compreensão. A hora da crise é seleta. Elege aqueles que conseguem oferecer seu melhor.
E o nosso melhor a fazer é acolher quem está pronto. Esta não é a hora do julgamento, da decepção ou de novas crises. É hora de deixar perto, quem se dispôs a ficar. De ganhar os colos, os mimos, as ‘broncas do bem’. De poder dizer não para o que não consegue fazer ou sim para o que ainda deseja e consegue realizar sozinho. É a hora da verdade. E se você souber usar amor, quem escolheu ficar, permanece. Mesmo na crise.
Mas não confundam rede social e apoio social. Neste universo em que muitos olham apenas para seu umbigo, dizer que tem e ter de fato são coisas bastante distintas. A rede social refere-se à dimensão estrutural – família, vizinhos, amigos, organizações religiosas, sistema de saúde. Estas são ‘teias de relações’ que interligam pessoas. Já o apoio social, tem a ver com vínculos afetivos. Associa-se aos recursos oferecidos pela teia, que podem gerar efeitos físicos, emocionais e comportamentais para o indivíduo.
Este apoio torna-se, então, uma relação de troca e de envolvimento entre quem presta o apoio e quem o recebe (Rodrigues & Ferreira, 2012; Santana, Zanin & Maniglia, 2008, Lacerda, 2010; Leonidas, 2012).
Assim, mais uma vez retornamos ao ponto que une todo relacionamento saudável: o amor. Só quem ama torna-se forte o suficiente para ficar, mesmo quando tudo parece duro demais para dar conta. Então quem fica, escolheu de fato ficar. Muitos pacientes chegam ao consultório com a queixa principal que curiosamente não é o “medo do câncer”.
Muitos me revelam que seu principal ponto de preocupação é ‘não fazer sofrer aquele a quem ama’. Por conta disso, diversas vezes o doente esconde o que sente, abafa seus sintomas e principalmente suas emoções. Silencia-se sobre as questões profundas e existenciais. Não divide os medos, as expectativas, e tolera muito mais a dor antes de revela-la quase que em um ponto já insuportável.
Eu costumo dizer que em todo relacionamento a relação é especular. Meu amado paciente, minha incansável família: o que acontece a um de vocês, inevitavelmente refletirá no outro. A sua expressão cansada ou triste será reconhecida mesmo que você não queira transparecer. Suas lágrimas correntes serão perceptíveis mesmo já secas, pelo olho vermelho ou pelo rosto inchado. Seus silêncios sem fim dirão mais que milhares de palavras ou seu discurso de que sempre ‘está tudo bem’ em algum momento gerará estranheza para aqueles que verdadeiramente o conhecem.
Relação de espelho. Ninguém consegue, por muito tempo, fingir ser o que não se é. Ainda bem, porque isso não faz bem para a mente, para o espírito e muito menos para o corpo. Estressores psicossociais diminuem a eficiência do sistema imunológico e já há inúmeros estudos comprovando isso. O adoecer em câncer é uma experiência profunda que testa nossa imunidade a reagir a todo instante.
Costumo dizer que nossos soldados de defesa (como eu apelido carinhosamente a imunidade), funcionam como pessoas, que precisam do alimento, hidratação e afeto corretos para manterem-se vivos e saudáveis. Se pensarmos, então, na doença como uma presença da qual necessitamos nos defender, os aliados nesta missão farão toda a diferença.
Então pense e repense em quem será parte do seu exército externo, para que seus soldados internos reajam adequadamente.
Aceite ajuda daqueles que julgar importante. Afaste-se daqueles que não conseguirão somar neste momento. Isso auxiliará sua qualidade de vida, proporcionará ganhos na autoestima, diminuirá sentimentos como o medo e a insegurança. Converse com quem lhe é significativo. Informe sua equipe de saúde sobre essas pessoas. Sua equipe também será sua rede, por isso confiar nela também importa. Direcione-os a saber identificar quem é ou quais são seus eleitos para assessorá-lo na jornada. Pois, se os aliados podem ajudá-lo a florescer, do contrário, uma rede disfuncional pode influenciar negativamente todas as fases de seu tratamento e recuperação. Portanto, observe se você está participando apenas de uma rede social de apoio ou se está recebendo apoio afetivo de fato.
E também falando em amor, na rede de apoio afetivo cabe pesar a relação conjugal. Maturana (2001) já dizia que “o que é especialmente humano no amor não é o amor, mas o que fazemos no amor enquanto humanos” (p.185). Portanto, todos os atos de aproximação ou afastamento neste momento de enfermidade também importam. São diversos os desafios impostos a quem trata um câncer. Muitos são psicológicos e vários são de impacto direto no corpo. As alterações de imagem por cirurgia, cicatrizes, perda de mamas, bolsa de colostomia, perda de pelos, de cabelo, enfim, somam-se às representações emocionais que acompanham os significados dados por cada um a este processo.
E, naturalmente, é possível que ao impactar o modo como as pessoas se sentem consigo mesmas, também afete o modo como se relacionam na intimidade com outra pessoa. O grande ponto significativo nesta história é que enquanto existir alguém cuidando é porque o amor está presente, mesmo sendo manifestado em diferentes sentimentos, a partir da história de cada casal. Então, se houve intimidade suficiente para unir duas pessoas, deve continuar existindo para conversar sobre as angústias desta nova fase, sobre os constrangimentos e limitações diante das mudanças físicas, sobre as alterações de libido ou psicológicas que a doença e tratamento trouxeram.
Há cônjuges que não manifestam seu desejo sexual, por exemplo, porque presumem que o outro não consentirá e há, por outro lado, pacientes desejosos de serem amados constrangidos porque deixaram de ser procurados. Diálogo. É o único caminho possível para todas as relações saudáveis. E precisamos experimentar mais isso.
E finalmente para os valentes que desejam chegar ou chegam ao fim de seus tratamentos oncológicos, a recidiva da doença sopra ventos gelados ao pé do ouvido. E por isso todo esforço (dentro da singularidade possível de cada um) vale a pena como tentativa de impedir essa concretização. Aí trago mais um estudo para o conhecimento aqui partilhado: ‘ter uma vida social ativa é uma das medidas protetoras para recidiva do câncer’.
A análise desenvolvida pela Divisão de Pesquisas da Kaiser Permanente, em Oakland, na Califórnia, verificou os dados de 10 mil pacientes e concluiu que mulheres solitárias que haviam passado por um tratamento oncológico mamário tinham risco 40% maior de ter uma recidiva da doença e 60% maior de falecer em decorrência do câncer de mama.
Mas a ideia não é assustar e sim estimular. Validar que a vivência de bons momentos ao lado de pessoas significativas além de ser uma gostosura protege nossa saúde. Lembrar que podemos sempre fazer escolhas para equilibrar mente-corpo-espírito. Atentar para o fato que pessoas solitárias tendem a praticar menos atividades físicas, a fumar e beber, aumentando o risco de desenvolvimento do câncer. E neste cenário também acaba sendo comum frequentes queixas de insônia. E precisamos aprender que o sono é reparador fundamental para o fortalecimento e restauração da nossa imunidade.
Ou seja, ao escolher a si em primeira instância e aos outros significativos que o acompanharão nesta jornada, lembre-se das palavras de Osho que afirma: “Nunca existiu uma pessoa como você antes, não existe ninguém neste mundo como você agora e nem nunca existirá. Veja só o respeito que a vida tem por você.
Você é uma obra de arte — impossível de repetir, incomparável, absolutamente única”.
Cuide-se e conte conosco para ajudá-lo em todo o possível!
Rodrigues, J. S. M., & Ferreira, N. M. L. A. (2012). Estrutura e funcionalidade da rede de apoio social do adulto com câncer. Acta Paul Enferm, 25(5), p.781-787. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n5/21.pdf
Santana, J. J. R. A., Zanin, C. R., & Maniglia, J. V. (2008). Pacientes com câncer: enfrentamento, rede social e apoio social. Paidéia, 18(40), p.371-384. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/paideia/v18n40/13.pdf
Lacerda, A. (2010). Redes de apoio social no sistema da dádiva: um novo olhar sobre a integralidade do cuidado no cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde. (Tese de doutorado, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro). Recuperado de http://bases.bireme.br/cgi-bin/ wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LIL ACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=616672&indexSearch=ID.
Leonidas, C. (2012). Redes sociais e apoio social no contexto dos transtornos alimentares. (Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto). Recuperado de http://www.ffclrp.usp.br/imagens_defesas/17_12_2012__11_16_29__61.pdf
Maturana, H. R.(2001). Reflexões sobre o amor. Em H.R. Maturana, C. Magro, M. Graciano & N. Vaz(Orgs.), A ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG.
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